Friday 28 May 2010

Um dia na vida de um oficial de microfinança

Nota: Publicado no site da Bolsa de Valores Sociais a 7 de Janeiro, 2010

São 7 da manhã na cidade de Hapur, estado de Uttar Pradesh - norte na Índia e Madhu Sharma chega bem disposto ao escritório local da Satin CreditCare Network. Ele é o soldado raso do batalhão da microfinança nesta guerra à pobreza. Na frente de combate, é ele que todas as manhãs se dirige às casas das clientes onde lidera a reunião semanal do centro. Um centro é um conjunto de dois a oito grupos com cinco membros cada. Os membros são mulheres de todas as idades que resolveram por mãos à obra por uma vida melhor. O modelo que a Satin segue, é uma variação do modelo desenvolvido pelo Grameen Bank.

O Grameen Bank – literalmente – Banco da Aldeia foi fundado pelo Nobel da Paz Muhammad Yunus e defende que o foco da microfinança deve ser nas mulheres, pois tendem a ser mais responsáveis e mais voltadas para o desenvolvimento da família.

Para estas pessoas, Madhu é o rosto do sistema financeiro. Madhu representa algo a que nunca antes tiveram acesso e que ano após ano lhes roubou oportunidades de desenvolvimento. Foi ele que lhes bateu à porta e explicou tudo, foi ele que lhes deu formação e as preparou para um teste ao qual todo o centro tem de passar de modo a ter direito aos emprestimos. É ele também que todas as semanas, dirige as reuniões onde os membros pagam a sua prestação mensal, reportam a evolução dos seus negócios e partilham sucessos ou angústias.

As reuniões decorrem com um respeito quase religioso, o que não surpreende, pois começam e terminam com uma “reza” em que ambas as partes se comprometem a cumprir com todas as regras!

O segredo por trás deste fantástico modelo é o conceito de responsabilidade de grupo. Este conceito permite transformar a confiança que estas mulheres têm umas nas outras (porque se conhecem bem e sabem perfeitamente do que são, ou não capazes) num tipo de colateral. Colateral, porque o grupo funciona como garantia caso um dos membros deixe de pagar as prestações.

Com o acesso a este dinheiro, as mulheres – que nem sabem quem é Yunus nem o Grameen Bank - criam ou desenvolvem negócios simples mas capazes de gerar rendimento. A estas pessoas nunca antes tinha sido dada uma oportunidade, portanto quando efectivamente recebem o dinheiro, dão tudo por tudo para o sucesso do seu trabalho.

As instituições de microfinança tipicamente não se envolvem nos negócios dos clientes, “Desde que o grupo reconheça que a actividade que aquele membro se propõe a realizar é rentável” - revela Madhu - “nós estamos satisfeitos! Ninguem conhece melhor estas mulheres e os seus negócios que elas mesmas!”. “A única coisa que fazemos é a verificação de que o dinheiro disponibilizado foi efectivamente utilizado para a aquisição de bens produtivos para o negócio. Se não fizessemos essa verificação, facilmente poderiamos cair em situações de crédito ao consumo… e não é esse o nosso objectivo.”

As utilizações do dinheiro são as mais variadas, compra de animais, máquinas de costura, stock e ferramentas para fazer clips para cabelo, bancas para venda de sumos, stock para pequenos comércios, televisões e rádios avariados para posterior reconstrução, etc. Não há limites na criatividade de uma mãe com uma família para alimentar!

A meio do dia, ao percorrer as empoeiradas ruas da pequena aldeia de Pilkhua debaixo de uns sufocantes 43ºC pergunto a Madhu porque escolheu trabalhar em microfinança. Responde que primeiro que tudo a microfinança lhe chamou a atenção pelo potencial social de redução de pobreza. “Acredito no modelo Grameen” diz-me, “é um modelo brilhante!” Como exemplo cita vários grupos em centros que ele proprio começou, onde o rendimento liquido (rendimento menos despesas fixas) era entre zero e vinte rupias por dia e actualmente anda entre as 100 e 200 rupias (e a crescer!) Vinte rupias são cerca de 30 centimos e 200 cerca de 3€… Boa diferença! Com entusiasmo continua: “Algumas destas mulheres começam já a pensar em organizar-se e formar cooperativas para que possam ter mais poder junto dos fornecedores e ao mesmo tempo extender os seus produtos a outros mercados onde não poderiam chegar sozinhas!”

Além do factor social, Madhu aponta também o crescimento do sector como factor positivo. “A Satin está a crescer muito e rápido. As possibilidades de subir na carreira são boas!” Reconhece também que gosta de andar pela rua e lidar com pessoas em vez de estar numa secretária. Por fim, admite com orgulho, que gosta do respeito com que as pessoas o tratam, pois reconhecem que efectivamente ele está ali para as ajudar e lhes vai dar ferramentas para que possam melhorar as suas vidas!

Pergunto também pelo vencimento. Madhu responde que não é mau tendo em conta que não tem formação superior e que o trabalho é garantido. Neste momento, 83€ mensais alimentam todos os projectos e ambições deste jovem. Estes 83€ são cerca de metade do que ganha o seu superior imediato, o gerente de sucursal e cerca de um quarto do maximo que pode vir a ganhar, se nunca se mudar para o head office, como é provável.

Os empréstimos são sempre a um ano e tipicamente começam entre os 100 e os 150€. Ao longo dos anos, podem crescer até aos 300€. Por esta altura espera-se que os negócios deixem de precisar de crédito ou se continuarem a precisar, já terão uma dimensão aceite pela banca tradicional. Nestes casos, o trabalho da microfinança está assim feito! Outros negócios irão necessitar sempre da microfinança para sobreviver, mas visto tratar-se de uma actividade sustentável para todos, não há mal nenhum!

Por esta altura é hora de voltar à sucursal regional na sua moto particular (financiada pela Satin), entregar o dinheiro, tratar de alguma burocracia e descansar. Nesta altura todos os seus colegas estão a voltar das suas reuniões. Trocam-se impressões sobre o crescimento da sucursal e sobre a necessidade breve de abertura de uma nova sucursal um pouco mais a norte. Trocam-se também notícias sobre os centros. Um centro chora a morte na estrada do irmão de um dos membros. Tinha 22 anos e ia casar dentro de alguns meses… Noutro centro há um bébé novo, etc.

As suas tardes divide-as entre dar largas à sua veia de comercial - tentando angariar novos clientes, dar formação a grupos que se mostraram interessados e verificar se cumprem todos os requisitos. Exemplo: casa limpa e em boas condições, filhos na escola, transporte (tipicamente bicicleta ou scooter), etc.

Só por volta das 6 da tarde é que Madhu volta ao escritório, onde ainda tem mais de uma hora de trabalho à secretária até poder ir descansar.

Os dias são longos e por vezes duros, com o calor ou as dificuldades da monção, mas Madhu acredita no que faz. Dos seus quatro anos de experiência, não consegue apontar nenhuma falha, não consegue sugerir nada em que o modelo pudesse ser melhor. Pelas suas palavras “O modelo é brilhante. Não vale a pena tentar mudá-lo pois assim tal e qual como está é que ele funciona bem. A única coisa que é preciso, é replicá-lo em toda a India.”

Eu diria mais, a única coisa que é preciso é replicá-lo em todo o mundo! Namaste!

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